quarta-feira, 13 de junho de 2012

Dr. Osório - síntese


Na casualidade aparente do gesto gentil o Dr. Osório não se quis demorar com justificações nem quis sequer se despedir de Teresa. Já em casa, depois de desistir da pesquisa do mediático e maciço caso judicial da família Delgado, enviou uma pequena nota para o correio electrónico que dizia: “Ficámos interditos Teresa? Mas o amor de certo modo é uma repetição contínua. Por momentos achei que atingimos o secreto mistério que há nas coisas. Brincava contigo e com o desejo que temos, porque somos, fundamentalmente amigos e é assim que os amigos fazem: contam segredos, partilham impossíveis e tocam-se pela rama. Atómica esta relação! Mas não contesto a tua decisão. Quando voltares a Lisboa vê lá se avisas para irmos ao Ritz, o teu club favorito reabriu.

sábado, 2 de junho de 2012

Dr Osório - antítese


A luz noturna de Sábado chega indiferente e cerra a calçada silenciosa da rua, o Dr. Osório não sabe se está vigilante ou se aguarda pelo passo seguinte a tomar. Após caminhadas de circunstância ao quarteirão, na inquietude de matar o tempo, regressa pela rua de baixo ladeando o jardim dos cisnes. Forçado pelo cansaço, evita entrar no nº 18 do prédio do cimo da Avenida. Senta-se junto do alpendre das escadas meio atordoado pelo calor. Retira do bolso do casaco um papel, dobrado em quatro, já amachucado pelas inúmeras vezes que o guardara. Nele continha um nome e um adeus. A frase que continha, lia-a para dentro de si: “O amor cega a inteligência e é o único alívio do meu cérebro. Mas vou sair. Vou voltar para Barcelona!”. 
A formação em filologia foi-lhe muito eficaz no que respeita à escolha virtuosa das palavras. Mas também lhe coube o favorável manuseamento vão de não se deixar enganar pelo signo delas. 
Como num prolongamento de qualquer situação indesejada os lábios cerravam-se à força e o riso ironicamente a querer soltar-se dos fundilhos da garganta. “Porra Teresa, que desilusão maldita!”. Será este o ultimo dia de Verão?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dr Osório - tese

No entardecer do dia o Dr. Osório persegue a calçada de mármore lisa e fria, largando o resto do cigarro numa poça de água. Revolve a língua e esquecendo as horas, a felicidade ou vazio que trás consigo, evita assim sem dar por isso regressar a casa. Com os olhos dececionados em tom de ressaca espreita para uma varanda do prédio que se seguia e já com os pés magoados dentro dos sapatos, recordou como o bairro da sua infância estava esquecido. As belas casas de traço anos 70 perderam a convivialidade da cidade, estão moribundas e desabitadas, sem o brilho inicial, sem o espírito do lugar.