Forças alheias, ou talvez apenas as dores da noite, a crescer dentro da cabeça, fizeram com que este corpo, ficasse hoje a tomar conta da casa. O Natal terminou e a imunidade sentimental seguiu caminho com o seu rasto de celebração de uma velha memória; houve declarações de amor e de amizade, num fraternal silencio de corpo e meia dúzia de palavras vãs. Acreditar nelas como se servissem para alguma coisa.
A filha ainda dorme no seu consolo de coração de infância. Na sala, colado ao vidro que separa a inutilidade lá de fora da minha casmurrice de lá de dentro, traduz-se a minha resiliência de ainda gostar do mundo. Os musculos já não são tão vaidosos e as emoções, cada vez mais pontuais e pragmáticas; são osmose de conteúdos, levadas por sacos do supermercado. Já lá vai o segundo café e o seu coexistente cigarro. Aproximo da janela. "Tanta falta faz parar a rotina". Rasgar contratos caducos e voltar a moldar o barro humano.
Os carros descem a rua; a chuva permanece, no céu e na terra. Serve quase de consolo. Como lera nas crónicas do L. Antunes “umas coisas valem por outras e temos o consolo da chuva”. São poucas as coisas que continuam o seu percurso lento e duradouro, intemporal. Maioria delas são coisas que pertencem à natureza e à categoria dos fenómenos.
Não ligo a eletrodomésticos. A sala continua a sua paciente crónica do dia, hoje acompanhada por mim. Aproveito para rever os jornais de meses atrás. Até lembra quase um quadro de natureza morta. Estranheza e surpresa. No ciclo rotineiro das horas - esta - não seria para estar aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário